Jornal do Brasil
Chávez nacionaliza empresa argentina
Governo venezuelano justifica decisão como proteção dos direitos dos trabalhadores
Cecilia Minner
Depois de 15 meses de fracassadas negociações de contratos laborais entre a siderúrgica Ternium Sidor e seus funcionários, o governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, resolveu nacionalizar a empresa argentina. Operante nos Andes e no Caribe, a Sidor é a principal fabricante de aço da região.O grupo ítalo-argentino Techint, proprietário da Ternium., é o maior acionista da Sidor: tem 60% da siderúrgica. O governo venezuelano tem 20% e os outros 20% encontram-se nas mãos de funcionários e ex-funcionários da empresa.– Depois de um longo processo de negociações que se mostraram infrutíferas, o comandante presidente decidiu assumir o controle de Siderúrgica do Orinoco (Sidor), que se encontra privatizada há cerca de 10 anos – disse o vice-presidente venezuelano, Ramón Carrizalez.Carrizalez explicou: a medida foi tomada assim que a empresa agiu com "arrogância" durante as negociações, ao se negar a apresentar uma contraproposta durante as discussões sobre as idéias para melhorar o pagamento de 2.500 aposentados e dar aumento salarial de 130% aos funcionários atuais.PopularidadeAntevendo especulações de que Chávez teria decidido pela nacionalização a fim de aumentar sua popularidade, o vice-presidente adiantou uma justificativa:– O governo tomou esta decisão para proteger os direitos dos trabalhadores. Vamos participar das negociações, assim como participamos das negociações de outras empresas. Vamos cancelar o que tiver que ser cancelado, indenizar quem tiver de ser indenizado.O cientista político venezuelano Rafael Villa não acredita que a nacionalização vá afetar a relação entre Caracas e Buenos Aires. Até ontem à noite, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, não havia protestado:– O histórico é de cooperação e bom relacionamento com o governo argentino. Não acredito que Chávez tenha feito isso com o intuito de estimular uma futura retaliação de Buenos Aires. É possível que o venezuelano tenha feito uma negociação prévia com a Casa Rosada sobre a nacionalização da siderúrgica. Temos de saber os termos dessa nacionalização.O jornal argentino Clarín informou que o presidente da Techint, Paolo Rocca, enviara uma carta a Chávez pedindo a intervenção do presidente, mas que não imaginava que ela seria uma nacionalização. A Ternium Sidor é mais uma empresa alvo da política de nacionalização de indústrias estratégicas impulsionada pelo bolivariano desde o ano passado. Mas para Villa, as firmas brasileiras não correm perigo.– A Petrobras é parceira. Até podem se interessar por uma cervejaria, como a Brahma, mas não teriam condições tecnológicas para manter uma empresa desse gênero.
O Estado de São Paulo
ESPAÇO ABERTO
A Nação é uma só
Aldo Rebelo*
O conflito secular que opõe os índios a outros estratos da Nação brasileira, como garimpeiros, seringueiros e agricultores, tem na atualidade o seu ponto culminante na reserva Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima. No centro está o antigo problema de terras ocupadas por indígenas versus expansão da sociedade nacional. Há aspectos eqüitativamente relevantes no conflito. Há o ambiental, o indígena, o avanço das forças produtivas, a defesa do território, enlaçados pelo matiz delicado de o cenário da divergência ser zona de fronteira. Não é sábio nem justo escolher um deles para tomar posição. A proteção aos índios, com os quais o País tem uma dívida que é chaga social, tão ou mais escandalosa que a contraída com os africanos, não pode ser praticada de forma unilateral, apartada das demais variáveis do problema.A demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol foi um erro geopolítico do Estado brasileiro. Sobressai no noticiário a caricatura de um enfrentamento polarizado entre índios não-aculturados e capitalistas-tubarões-predadores, mas, em verdade, também são protagonistas do problema os caboclos, pequenos agricultores, pecuaristas, comerciantes e até o Exército, impedido de exercer a sua missão constitucional de vigiar extensas faixas de fronteira com a Guiana e a Venezuela. Uma parcela dos índios apóia a permanência dos não-índios na área conflagrada de Roraima, inclusive dos arrozeiros, que a Polícia Federal foi expulsar de lá. A demarcação da reserva deveria, portanto, ter levado em conta os interesses legítimos dos diversos estratos sociais ali presentes. Ainda há tempo de identificá-los e acomodá-los de forma justa e fraterna, pois ocorre em Roraima a desavença que o dirigente chinês Mao Tsé-tung chamou de 'contradições no seio do povo'.É um equívoco cultural reclamar que 'os silvícolas têm muita terra', pois eles necessitam de grandes extensões para levar seu modo de vida, baseado na caça, no extrativismo, na agricultura nômade e no respeito aos santuários religiosos. No Monte Roraima, a propósito, reside o mito de Macunaíma, cujo nome o escritor Mário de Andrade utilizou no seu romance mais conhecido. Os números da reserva Raposa Serra do Sol, no entanto, suscitam discussões. São 1,74 milhão de hectares de área contínua, pontilhada de fazendas, roças, arrozais, estradas, linhas de energia elétrica, quartéis, cidades e vilas. Foi reservada para uso exclusivo de aproximadamente 15 mil indivíduos, distribuídos em cerca de 150 aldeias. Nada menos que 46% do território estadual constitui terras indígenas.Curiosamente, é o Norte a região em que os índios menos se multiplicam. Segundo os últimos dados confiáveis, os do IBGE, eles baixaram de 42,4% em 1991 para 29,1% em 2000. Noutras regiões, em contrapartida, houve uma explosão estatística: no Sudeste, as pessoas identificadas como indígenas passaram de 30,5 mil para 61,2 mil, enquanto no Nordeste o salto foi de 55,8 mil para 170 mil. O fenômeno se deve, em parte, à elevada urbanização. Quando levei minha esposa, paulista, para conhecer o Nordeste, conversamos no Monte Pascoal com uma índia pataxó que vendia peças de artesanato rústico. Perguntamos pelo marido e ela respondeu: 'Voltou pra roça. Cansou dessa profissão de índio.'É confortador lembrar que ao infortúnio histórico dos índios o Brasil contrapôs o bálsamo de algumas de suas maiores inteligências. A causa foi abraçada desde os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, apóstolos da corrente humanista que desde então a Igreja Católica mantém altiva na defesa das tribos. Nesse apostolado militaram também o estadista José Bonifácio, os escritores Gonçalves Dias, José de Alencar e Antonio Callado, os sertanistas Villas-Boas, o médico Noel Nutels, o etnólogo Darcy Ribeiro, além do monumento moral que nos orgulha como povo, o marechal Rondon. Todos comungavam na doutrina da integração dos índios à sociedade nacional, em grau e métodos variados.A esses luminares do sertanismo e da antropologia sucedeu uma visão esdrúxula que aparta os índios da Nação e pleiteia sua autonomia em relação ao Estado. Agora, fala-se em 'povos indígenas', 'nações indígenas', 'autodeterminação indígena', como se as tribos constituíssem nacionalidades independentes em territórios emancipados. Chegamos ao paroxismo de tuxauas barrarem a circulação de generais do Exército em faixa de fronteira. Já houve proposta de criação de embaixadas indígenas em Brasília, para que as tribos se relacionassem em posição de igualdade com o governo. Incute-se nos índios, enfim, a idéia de que, em relação aos brasileiros, são estrangeiros.Como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, visitei toda a fronteira amazônica. Fiquei ainda mais convencido de que temos o dever de resgatar a dívida histórica com os índios e protegê-los da forma mais generosa de que formos capazes. Mas a generosidade de um país continental deve ser ampla e isonômica, ou seja, estende-se a todos os seus nacionais. É tão brasileiro o índio macuxi quanto o colono gaúcho.Eles integram uma só Nação diversificada. O Brasil destaca-se mais pelo produto do que pelos fatores, não importa a grandeza que encerrem nem a ordem em que sejam agrupados. O brasileiro de hoje é índio, branco, negro e, sobretudo, o resultado do caldeirão que nos fez uma civilização única no mundo. Um filho de italianos, Victor Brecheret, usou o poder de síntese da arte para traduzir esta riqueza étnica no Monumento às Bandeiras, em que esculpiu no granito bruto a epopéia conjunta de brancos, índios e mamelucos na construção deste grande país.*Aldo Rebelo, deputado federal pelo PCdoB-SP, foi presidente da Câmara dos Deputados e ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República